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AAP envia carta ao Tribunal Constitucional

A Associação Ateísta Portuguesa enviou hoje uma carta ao Tribunal Constitucional a pedir um parecer sobre a constitucionalidade do Estado estar a pagar parte da Jornada Mundial da Juventude, um evento religioso.

A carta enviada pode ser lida abaixo:

Pedido de Parecer ao Tribunal Constitucional

Exmo. Sr. Dr. João Pedro Barrosa Caupers,

Presidente do Tribunal Constitucional

Na qualidade de Presidente da Associação Ateísta Portuguesa (AAP), organização que representa ateus, agnósticos, humanistas seculares e livres-pensadores no nosso país, a propósito das polémicas relacionadas com a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), venho pedir a sua excelência um parecer sobre a Constitucionalidade de atribuição de avultadas quantias por entidades do Estado – por parte do governo e autarquias – para um evento religioso. Uma vez que vivemos num Estado Laico, em que a Constituição dita a separação entre Igreja e Estado, parece-nos que estamos perante uma inconstitucionalidade. Ou seja, perguntamos se deve o Estado, que é laico, financiar, promover e facilitar ajustes diretos de milhões de euros a uma única entidade religiosa, conferindo-lhe um favorecimento particular em detrimento de outras entidades religiosas. Nesse sentido, e com base nos argumentos abaixo apresentados, gostaríamos de ver esta questão esclarecida e fundamentada.

Atendendo a que:

  1. Pela Constituição da República Portuguesa (CRP) vivemos num Estado Laico;
  2. Em particular, de acordo com o artigo 41º da CRP a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) e demais comunidades religiosas estão separadas do Estado;
  3. Da alínea anterior temos que a Religião não influencia o Estado e, por seu lado, este garante liberdade religiosa à população;
  4. Ainda das alíneas a) e b) resulta que o Estado não pode dar tratamento preferencial a uma religião em particular, em detrimento de outras comunidades religiosas;
  5. Apesar da alínea anterior, a ICAR é a única beneficiada financeiramente neste processo da Jornada Mundial da Juventude (JMJ);
  6. A ICAR é uma instituição bilionária, com avultados bens imobiliários e financeiros a nível global, isenta do pagamento de alguns impostos, como o IMI, em Portugal;
  7. Apesar dessa saudável situação financeira, o Estado Português está a injetar dinheiro público num evento religioso em quantias, literalmente, milionárias: o governo prevê gastar mais de 36 milhões de euros, a Câmara Municipal de Lisboa está disponível para investir até 35 milhões de Euros, a Câmara Municipal de Loures prevê investir até 9 milhões de euros.  Tudo somado pode perfazer um investimento total de 80 milhões de euros. Não fosse isso suficiente, ficámos recentemente a saber que o altar do Papa foi adjudicado pela CML por mais de 4 milhões de euros por ajuste direto;
  8. Que o evento tem condições para ter lugar se for pago integralmente pela ICAR (excluindo investimento em infraestruturas públicas e segurança que, essas sim, são de responsabilidade do Estado);

Além disso, atendendo também a que:

  1. A CRP dita no seu artigo 65º que todos têm direito a habitação e que cabe ao Estado promover políticas nesse sentido;
  2. Que a habitação é um problema social que afeta os cidadãos do nosso país, seja pela falta de casas, seja pelo valor das rendas;
  3. Que o governo e as autarquias têm argumentado que não há dinheiro suficiente para investir na habitação e que os projetos existentes demoram a ser concretizados por estarem sujeitos a complexos concursos públicos;
  4. Que para as JMJ “miraculosamente” já há dinheiro e os projetos milionários, como o do altar, foram adjudicados por ajuste direto, conferindo mais um exemplo de favorecimento do Estado à Religião, ao arrepio do superior interesse dos cidadãos;

A AAP pergunta ao Tribunal Constitucional se, face a estes dados, não estaremos perante uma prática duplamente inconstitucional, pois por um lado fere o princípio da separação da Igreja e Estado (art. 41º da CRP) e porque, por outro lado, impede o investimento em habitação tão necessária aos cidadãos, ou seja, impede a concretização de um direito constitucionalmente garantido (art. 65º da CRP). Em suma, esse investimento em habitação que deveria ser suprido pelo Estado, conforme a CRP, não pode ser realizado porque o dinheiro público está a ser canalizado para uma atividade religiosa.

A AAP tem-se pautado pela defesa da laicidade do Estado, assim como do princípio da tolerância e da liberdade religiosa. Deste modo, defendemos que o evento deve continuar a ter lugar, mas sem ser a custas do Estado. É incompreensível que uma entidade tão rica como é a ICAR dependa financeiramente do Estado Português.

Aguardamos resposta ao parecer, com a devida fundamentação. Informamos que tornaremos público este pedido de parecer e que divulgaremos as suas conclusões.

Com os melhores cumprimentos,

João Lourenço Monteiro

Presidente da Associação Ateísta Portuguesa