Quando a Inclusão Esbarra na Exclusão
No mais recente episódio do Podcast Homo SemDeus, decidimos partilhar a nossa experiência numa aventura inesperada: a visita à Aldeia das Religiões. Inicialmente, fomos convidados a participar oficialmente neste evento, que visa promover o diálogo entre diferentes crenças. Contudo, pouco tempo depois, o convite foi retirado, aparentemente por pressão de alguns grupos religiosos que não aceitavam a presença de ateus num espaço que deveria, teoricamente, promover a inclusão.
Mas, como bons ateus que somos, não nos deixamos abalar. Decidimos ir mesmo assim, desta vez como simples visitantes. Afinal, se o objetivo é o diálogo, por que não? O que encontrámos foi tanto fascinante como desconcertante. Para começar, esperávamos um evento cheio de pessoas e organizações prontas a partilhar as suas visões. Em vez disso, deparámo-nos com várias tendas vazias e uma atmosfera bastante tranquila, pelo menos durante a manhã de sábado.
A nossa primeira paragem foi na tenda da Igreja Adventista do Sétimo Dia, onde fomos recebidos pela Ana, uma jovem simpática e devota. A hospitalidade foi inegável, mas rapidamente nos deparamos com a típica compartimentalização de ideias que encontramos em muitos grupos religiosos. Embora o sábado seja o dia sagrado de descanso para esta confissão, aparentemente trabalhar num evento religioso não quebra essa regra. A nossa conversa com a Ana foi uma das mais longas e intrigantes do dia, tocando em temas como criacionismo, evolucionismo e até o dilúvio bíblico. Num momento surreal, a crença de que o dilúvio ocorreu numa altura em que os continentes ainda formavam a Pangeia fez-nos questionar o nível de conhecimento científico que alguns crentes possuem.
De facto, um dos maiores desafios durante estas conversas foi perceber como conceitos opostos, como criacionismo e ciência, são fundidos sem grande rigor. A tentativa de compatibilizar a evolução com o design divino é algo comum, mas que rapidamente se desmorona ao ser submetido ao pensamento crítico.
Depois de explorar outras tendas – onde conversámos com representantes muçulmanos, mórmons e da comunidade Bahá’í – fomos finalmente entrevistar o Padre João Torres, um dos organizadores da Aldeia das Religiões. Apesar da nossa exclusão do evento enquanto entidade, o padre recebeu-nos com cordialidade e partilhou a sua visão para o futuro do diálogo inter-religioso. Para ele, o sucesso deste tipo de encontros reside na capacidade de unir pessoas diferentes, mesmo que essas diferenças sejam irreconciliáveis em certos aspetos.
No entanto, uma reflexão crítica surge inevitavelmente: até que ponto este diálogo é realmente inclusivo? Embora muitas religiões preguem a tolerância e o respeito pelas diferenças, será que estão verdadeiramente dispostas a aceitar uma visão do mundo que não inclui a crença num qualquer deus? A nossa experiência mostrou-nos que, apesar de se falar muito de inclusão, há ainda barreiras profundas quando se trata de dar espaço a vozes que desafiam o status quo religioso.
Convidamos os nossos ouvintes a refletirem connosco: o diálogo ecuménico pode realmente incluir ateus? E mais, é possível encontrar terreno comum quando os fundamentos de crença e descrença são tão díspares? No final, fica a questão: estamos mesmo a caminhar para uma sociedade mais inclusiva, ou este tipo de eventos não passa de uma celebração do status quo religioso?